Você já deve ter ouvido falar que é bom retirar o glúten da dieta, né? Mas hoje eu quero que você descubra quem realmente não deve ingerir glúten.
O glúten é composto por duas frações proteicas principais: a gliadina e a glutenina. É encontrado naturalmente nos grãos de cereais, como trigo, centeio e cevada (com concentrações diferentes em cada um destes). O malte, subproduto da cevada, consequentemente o contém, bem como a aveia, em alguns casos, pela frequente "contaminação" via maquinário nas indústrias.
Por si só, o glúten não é um mau nutriente e do ponto de vista de técnica dietética/culinário, ele é incrível, já que garante produtos de panificação com bom aspecto, textura e sabor, além de estar presente em uma bebida de grande valor cultural para o brasileiro, a cerveja.
Ele está presente em grande concentração em muitos alimentos comumente consumidos, como pães, biscoitos, bolos e massas, estes considerados fontes de carboidrato. É frequente que estes alimentos/preparos carreguem consigo um alto teor de gorduras. Pense em um hambúrguer com fritas, um biscoito recheado, um bolo com cobertura de brigadeiro ou uma massa com molho de natas. E a confusão toda está aí: uma dieta baseada em alimentos com alto teor de carboidratos e gorduras, portanto com excesso de calorias, é desequilibrada nutricionalmente e contribui para o excesso de peso e suas consequências. O glúten só teve o azar de aparecer no meio disso tudo.
Em discursos polêmicos, escuto muito o argumento de que as farinhas do Brasil são ruins e blá, blá, blá. E sim, parece que as nossas farinhas têm pior qualidade e nossos produtos de panificação vêm sendo cada vez mais processados. Muitas das padarias de grandes redes ou com proposta de produção rápida, já não fazem mais pão francês com farinha, água, sal e fermento, mas sim com misturas, que podem receber leite e gorduras em pó, além de aditivos alimentares controversos e dispensáveis. O mesmo vale para pães do tipo "SevenGirls e Nutrolla". Mas este não é um problema apenas das nossas farinhas/produtos de panificação; o chocolate, no geral, é de pior qualidade e o café também, ainda que sejamos grandes produtores das matérias primas. E daria para falar aqui de muitos outros alimentos; o que escancara que o ataque ao pão/trigo/glúten é pouco científico, quase uma perseguição.
Pães com bons e poucos ingredientes e de fermentação mais longa e chocolates e cafés de qualidade apresentam alto custo, ficando restritos ao consumo de poucos. Por isso, esse argumento "das farinhas do Brasil não prestam…" é pouco válido para orientação nutricional da população em geral, mas muito válido para pressões políticas contra a monocultura e a favor da biodiversidade e da reforma agrária.
Já que toquei no assunto dos pães de mais longa fermentação, quero deixar bem claro que todo pão feito com ingrediente que contém glúten (como trigo, centeio ou cevada), contém glúten. Digo isso, pois com frequência escuto: "Evito glúten, só como pão de fermentação natural!" (?). Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Pães de longa fermentação que recebem levain parecem ser mais facilmente digeridos especialmente por apresentarem menos carboidratos fermentáveis e inibidores enzimáticos de carboidratos, algo que não tem relação com o glúten (uma fração proteica). A proteólise (quebra de proteínas) induzida pela fermentação estendida e a ausência/menor quantidade de aditivos, também pode explicar, em partes, os relatos de melhor digestão com o consumo destes pães.
E antes de falar sobre as indicações para exclusão ou redução do glúten na alimentação, vamos desmistificar a prática de excluí-lo em dietas de emagrecimento: glúten não engorda. Isso não existe! Você pode emagrecer comendo pães, massas e até mesmo tomando uma cervejinha de vez em quando, se for apreciador. Essa informação foi disseminada por ignorância e pelo fato de que uma dieta sem glúten naturalmente exclui alimentos hipercalóricos - como dito anteriormente - e sem o consumo destes alimentos, muitos emagrecem, mas não pela exclusão do glúten, e sim pela redução na ingestão de calorias, visto que o emagrecimento é dependente de déficit calórico. Você pode emagrecer (1) sem excluir alimentos que gosta, como pães, (2) economizando, visto que, no geral, versões "sem glúten" são mais caras e (3) com menos estresse, já que restrições alimentares importantes geram aumento de estresse em algum nível.
Glúten não é nenhum vilão. Agora vamos falar sobre o tema central da postagem:
Quem deve reduzir/excluir o glúten da dieta
Pessoas com doença celíaca: a doença celíaca é uma condição autoimune que pode ser desenvolvida por pessoas com predisposição genética, na qual, ao ingerir glúten, ocorre um processo inflamatório na parede interna do intestino delgado, levando à atrofia das vilosidades intestinais. Esse processo resulta na diminuição da absorção de nutrientes e pode causar sintomas como diarreia, constipação, perda de peso, anemia, sensação de inchaço, cólicas e desconforto abdominal. Mesmo uma quantidade mínima de glúten pode provocar sérios danos, e a única forma de tratamento é seguir uma dieta totalmente livre de glúten por toda a vida.
Pessoas com alergia ao trigo: a alergia ao trigo é uma reação alérgica a alimentos que contêm essa substância. Os sintomas geralmente começam de forma leve, como coceira na boca, durante ou logo após o consumo. Em casos mais graves, podem ocorrer inchaço, dificuldades respiratórias e até anafilaxia. Além disso, o contato com o trigo pode causar reações na pele. Embora seus sintomas se assemelham a outras reações alérgicas, a alergia ao trigo é frequentemente confundida com a doença celíaca, mas são condições distintas. Na alergia ao trigo, o corpo produz anticorpos contra proteínas presentes no trigo, enquanto na doença celíaca, especificamente o glúten desencadeia uma resposta imune anormal. Assim, ter alergia ao trigo não significa necessariamente que a pessoa reagirá a outros produtos que contêm glúten. O único tratamento eficaz é evitar o consumo e o contato com alimentos que contenham trigo.
Pessoas com sensibilidade ao glúten não celíaca: Essa condição afeta pessoas que apresentam sintomas semelhantes aos da doença celíaca, como desconforto intestinal, fadiga e dores de cabeça, mas sem a presença de marcadores autoimunes característicos da doença celíaca. Os pacientes costumam melhorar ao eliminar totalmente o glúten da dieta. Trata-se de um diagnóstico de exclusão, pois os sintomas se assemelham tanto à doença celíaca quanto à alergia ao trigo, sem marcadores de diagnóstico.
Estas são as 3 recomendações clássicas para uma dieta com redução/sem glúten. Pessoas leigas não devem fazer a exclusão por conta própria e aqueles com os diagnósticos acima, devem buscar atendimento nutricional para adequação da dieta. Médicos, como alergistas e gastroenterologistas, e nutricionistas podem prescrever uma dieta sem glúten em outros casos, considerando queixas e seguindo o princípio da não maleficência, mas é uma conduta individualizada que exige orientações específicas, a fim de prevenir possíveis carências nutricionais e proporcionar bem estar.
Para colocar em prática:
Tenha uma base alimentar saudável! Consuma alimentos in natura e minimamente processados, como: hortaliças, frutas, oleaginosas, ovos e carnes;
Se não há indicação para redução/exclusão do glúten, siga consumindo alimentos fonte. Apenas esteja atento para a monotonia alimentar! Café da manhã com pão, almoço com macarrão, lanche com biscoito e jantar com pizza é um relato clássico que deixa sua dieta monótona e restringe seu acesso à nutrientes variados. Use outras fontes de carboidrato, como: arrozes, milho, quinoa, batatas, aipim e etc.;
Se você gosta de pão, dentro das suas possibilidades, busque por pães melhores, com boa lista de ingredientes. Leia rótulos, converse com o padeiro. Se possível, fique com pães de mais longa fermentação de locais que valorizam métodos tradicionais e priorizam o uso de farinhas de qualidade, ingredientes orgânicos e etc. Além de muito sabor, apoiamos uma cadeia produtiva mais sustentável.
Espero teu ajudado!
Aproveita e compartilha esse conteúdo com quem pode se interessar! :)
Com carinho,
Nutricionista Júlia Lorenzon
Comments